Um Brasil mais velho
Após 135 anos de tentativas como República (e 36 desde a Constituição Cidadã), a população brasileira está ingressando na última fase de transição demográfica: envelhecimento.
A maioria da população brasileira já atingiu a idade adulta, mas não se reproduz o suficiente para conseguir “reposição”. Surpreendentemente, a taxa de crescimento populacional do Brasil é inferior à do Canadá e está no mesmo nível da dos EUA. Observe essa desaceleração no gráfico abaixo que mostra as mudanças nas faixas etárias entre 2012 e 2022.
Visto dessa maneira, a população de adultos acima de 35 anos aumentou significativamente na composição do Brasil, e os idosos tiveram o maior aumento percentual. Entretanto, com um PIB per capita medíocre e uma desigualdade absurda, o Brasil estará preparado para envelhecer?
A resposta completa exige várias referências… O Canadá e os Estados Unidos ingressaram na quarta fase de transição demográfica há décadas, e, consequentemente, esses países estão mais preocupados com envelhecimento populacional (CBC, Washington Post). O Canadá — cuja taxa de crescimento populacional ultrapassou a do Brasil pela primeira vez na história — deu as boas-vindas a mais que um milhão de imigrantes este último ano para contrariar a diminuição de sua população em idade ativa.
De fato, os imigrantes estão construindo as novas gerações de Norte-Americanos. Em contrapartida, no Brasil, é raro encontrar imigrantes; segundo dados de Agência Brasil e exame eles compõem somente 0,9% da população brasileira — um fato que pode tornar uma oportunidade pelo país. Nos EUA, a porcentagem chega a 14,2%, enquanto imigrantes somam 23% da população do Canadá. Inegavelmente, com 18% dos estadunidenses e 20% dos canadenses com mais de 65 anos, imigrantes tampam carências graves nas forças de trabalho norte-americanas. E a Europa? Nem se fala.
Olhando à tabela e ao mapa, confira que somente dois países mais populosos que o Brasil têm populações “jovem” (mais azul): o Paquistão e a Nigéria. Então, estamos, no Brasil, um pouco a frente deles para se desenvolver plenamente, com uma população ainda majoritariamente ativa (trabalhando) e condições de vida geralmente melhor. O desvantagem desse posicionamento é que nosso voo econômico daqui pra frente vai ser mais curto. Abaixo são as pirâmides etárias que correspondem ao mundo e aos outros países da tabela acima:
Interpretando esses diagramas, fica claro que a Nigéria possui a população que mais cresce percentualmente; em número, ela superou até a do Brasil em 2019 com o resultado do censo abaixo do esperado. Da mesma forma, os dois países mais populosos trocaram de lugar durante o ano passado devido às novas gerações de indianos, que estimulam o rápido crescimento da economia indiana. Entretanto, a população do mundo inteiro se encontra no começo de estágio 3 desse processo, visto na diminuição da taxa de natalidade global e cada vez mais envelhecimento. A previsão do ONU para o fim do crescimento populacional é 2086, enquanto o Brasil chegará a contrair 40 anos mais cedo e a China já está contraindo.
Uma Conquista da Humanidade
Longevidade — que é um sinônimo para envelhecimento — é uma conquista. A quarta fase de transição demográfica corresponde a um patamar de desenvolvimento superior em todos os países envelhecidos. A fome, o saneamento, os conflitos entre povos e as restrições ecológicas são superados nos contextos desses países porque, quase sempre, o pleno desenvolvimento faz longevidade uma realidade. Em outras palavras, sendo “subdesenvolvido” não permite essa mudança populacional.
Em vários países desenvolvidos, envelhecimento significa que aposentados podem olhar duas décadas pela frente quando planejando seus novos compromissos e hábitos cotidianos. E já na China, 254 milhões de cidadãos têm mais que 60 anos, um êxito sem precedente na história humana! Sobre tudo, a conquista de longevidade é exemplificada por super idosos— as pessoas que vivem uma “Quarta Idade” (acima de 80 anos) saudável.
No caso do Brasil — como Bill Gates elogiou — investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) e a criação de várias programas bem-sucedidas ao lado dele têm aumentado a expectativa de vida em quase uma década. Assim, o SUS é responsável por entregar o Brasil ao começo do 4º estágio de transição demográfica. Mas, a questão original ainda não se resolve: o Brasil estará preparado para contar com mais idosos que jovens?
Ramificações no Brasil
Como sempre, esta nova dinâmica tem o lado positivo e as ramificações — mesmo sendo uma conquista. Grandes dúvidas persistem sobre a qualidade da vida das crescentes populações de idosos. Raros são os brasileiros na “Quarta Idade” quem vivem sem doenças crônicas e sem necessidade para medicamentos. Existem reportagens reivindicando que tais super idosos se destacam na sociedade brasileira, mas a realidade não reflete isso. Das 4 milhões de cidadãos com mais que 80 anos, 81% convive com pelo menos uma doença crônica e 58% com pelo menos duas. E, como todo brasileiro sabe, falta muita infraestrutura ainda em todo município para que os idosos e pessoas com deficiências recebem acesso as mesmas oportunidades.
Além disso, o SUS está despreparado, a previdência social também, desigualdades podem ser aprofundadas ainda mais com a retenção de riqueza pelos cidadãos mais velhos (como visto nos EUA) e a esmagadora maioria dos municípios no Brasil não tomam medidas de acessibilidade suficiente para idosos.
E quem são os brasileiros que vivem mais?
Quando observamos a idade média à morte dos diferentes grupos raciais para o ano de 2019, notamos que a população negra e, especialmente, a indígena, possui desvantagens significativas em relação à população branca e amarela… Ainda hoje, o direito a envelhecer é negado a determinados grupos raciais e étnicos no Brasil. (Saúde Amanhã, Romero e Maia, Abril 2022)
Portanto, até o próprio racismo se expressa no envelhecimento do Brasil. Esse fato triste, e plenamente inaceitável, mostra mais uma forma pela qual o país não está preparado para seu futuro, e a culpa deve ser atribuída aos políticos que jamais discutiram a questão da desigualdade racial antes de 2003. Isso é tarde demais para qualquer país, e vergonhoso demais para um país majoritariamente pardo.
De Bônus para Ônus Demográfico
O Brasil estaria muito mais preparado para envelhecer se o Governo Federal reconhecesse a potencial da sua maior população em idade ativa na história. Essa onda de brasileiros entre 15 e 64 anos faz parte de uma “janela de oportunidade” que deve se fechar em até 4 anos. Essencialmente, todo brasileiro — ao longo da sua vida — contribui para a riqueza da nação, e idade ativa é quando cidadãos entregam a maior parte desse valor na forma de trabalho, despesas, empreendimentos e outras atividades. Hoje em dia, o valor de trabalho de cuidado não remunerado também está sendo reconhecido economicamente, e até o ENEM fez disso seu tema de redação em 2023. Tudo isso se explica pela razão de dependência, ou “a parcela de uma população dependente suportada pela população potencialmente produtiva (em idade de trabalhar)”.
Esse gráfico está um pouco desatualizado, mas, mesmo assim, em 2020 a razão tinha voltada a aumentar. Isso sinaliza o começo do fim do bônus já que mais dependentes que trabalhadores será um “ônus”. Para o Governo de hoje, perder essa onda de 140,8 milhões de cidadãos em idade ativa (que tornam possível o pleno desenvolvimento) devido à falta de planeamento, ineficiência administrativa, estagnação económica ou falta de investimento em educação, infraestrutura, transporte público, investigação, tecnologia e nivelamento profissional geraria o maior fardo na história do País. A falta de liderança ousada nesse tema condenaria o Brasil à inferioridade pelas gerações vindouras, pois a dependência está aumentado, as taxas de abandono escolar batem recordes e a inovação, em todo os setores, não vem das gerações mais velhas.
A Geração Nem-nem
Em conclusão, um fenômeno novo: 10,9 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam e nem trabalham. Segundo reportado, “2 milhões disseram cuidar de parentes e dos afazeres domésticos” e é provável que mais que 3 milhões são gravidas ou cuidando de recém-nascidos. Repare que isso deixa uma parcela de mais ou menos 6 milhões de jovens, em sua maioria homens. Sendo assim, o Brasil deve enxergar fracassos em seu sistema educacional, capacidade de absorver mão de obra emergente e regularização de emprego; no entanto, este ponto de inflexão sinala a maior oportunidade já visto na história brasileira para promover mudanças significativas. Algumas já sendo realizados, como o aumento de investimento em educação, investigação e, ainda mais, em infraestrutura.
Afinal, o Brasil é composto por mais profissionais na segunda metade das sua carreiras que nunca. Eles deveriam buscar inovação em seus setores da economia, horários de trabalho que permitam maior interação com suas famílias e uma educação para as gerações futuras cada vez melhor, não?
Se sim, é só confiar… E divulgar para todo mundo que até 2035 é a última chance para o Brasil ser aceito como um país desenvolvido, livre e bom.