Ô, Brasil!
Tá fazendo um intercâmbio, né?… Não?! Por que cê mudou pra cá? Ocê tá doido? Uai sô, tem base um trem desse?? Você realmente quer morar nessa bagunça?
“Uai, sim… aqui é bom demais!” — Eu respondo.
Me deixa te dizer porquê.
Os dois gigantes anglófonos da América do Norte recebem muito destaque no Brasil por sua qualidade — ou seja, estilo — de vida e maiores índices de desenvolvimento, mas morar lá é tão bom assim? Quase todo dia novas pessoas me perguntam, “Uai, têm tantas pessoas tentando mudar pra lá e você pretende morar aqui… por que?” Olha só, o transporte público, o controle de armas, a taxa de cidadãos em situação de rua, o sabor e a qualidade da comida, o custo de tudo que importa (sim, ninguém precisa produtos Apple ou Nike), a qualidade de atendimento em todo lugar e o clima é pior nos Estados Unidos. Retire os problemas com controle de armas e transporte público da lista acima e o mesmo é aplicável ao Canadá. Essas realidades representam o começo do meu porquê; porém, minha escolha tem sido reforçada por vários outros fatores.
Então apresento as principais diferenças entre o Canadá, os EUA e o Brasil. Viaje comigo! Venha conhecer os países que, juntos, compõem 66% da área das Américas e 100% da minha vida 🌎💓
O Canadá possui o maior território, a sexta maior população e a menor densidade populacional (4 habitantes/km²) nas Américas.
O Canadá é realmente gigante e, ao contrário do que muitos pensam, poucas áreas ficam cobertas de neve e gelo, embora que todas as cidades canadenses tenham neve pelo menos um dia por ano. O País contém a segunda maior cobertura de floresta (3,47 milhões de km² // 35% do território) nas Américas e 10% das reservas mundiais de petróleo. O sistema de saúde é eficaz e justo — sem nenhum custo aos residentes na maioria das províncias (como se chama estados de Canadá) — e a educação pública, que é reconhecida mundialmente, é totalmente gratuita até o nível superior. De fato, o País possui um histórico de alto desempenho estudantil com as pontuações dos alunos em exames como a PISA distribuído uniformemente entre classes socioeconômicas, bem como grupos raciais e étnicos. Ademais, segundo ourworldindata.org, o Índice Histórico de Desenvolvimento Humano (HIHD) é uma estatística calculada principalmente pela expectativa de vida, alfabetização adulta, participação educacional e renda per capita — esse último fator sendo modulado para criar o gráfico em baixo (observe-se que, sem o peso de renda, os EUA fica significativamente atrás do Canadá):
Nitidamente, eu poderia escrever mais sobre as vantagens estatísticas que o Canadá possui, mas como é morar lá? Pois bem, é um verdadeiro país de imigrantes, com numerosos benefícios dessa diversidade cultural, e eu me apaixonei por Vancouver — onde vivi durante quase 7 anos. Muitas pessoas pensam ou imaginam que o Canadá é muito frio o ano inteiro; porém, a variação de temperatura em Vancouver e região não é tão diferente de Curitiba ou Porto Alegre. A única coisa ruim sobre o clima de lá — assim como Amsterdã e Dublin — é que chove e fica nublado basicamente o inverno inteiro (novembro até março). Entretanto, é suportável porque o verão é simplesmente espetacular e a neve que cai nas montanhas no inverno dura pelo menos 7 meses por ano — permitindo que os residentes desfrutem das atividades de inverno e se bronzeiem ao mesmo tempo. Além disso, o ar é fresco, a água vem direto das geleiras, há comunidades acolhedoras e as cervejas são as melhores que eu já provei.
Se eu precisasse sair do Brasil por qualquer razão, eu moraria na região de Vancouver para o resto da minha vida; porém, pretendo me tornar um médico no Brasil. O Canadá tem apenas 17 faculdades de medicina (todas “federais” com taxas anuais de R$ 90.000 até R$ 350.000) que exigem um bacharelado em ciências pré-médicas com notas altas, pontuações máximas no MCAT (uma prova mais difícil que o ENEM) e um currículo impecável, portanto, é um dos países mais competitivos do mundo para entrar. Além disso, eu larguei o Canadá porque meu sonho de construir uma vida independente lá, depois de quase 7 anos, chegou ao fim. Aos 24 anos, já tinha independência da minha família, namorei demais, trabalhei em sete funções e empresas diferentes e economizei em tudo possível para investir no meu futuro. Logo depois, eu decidi visitar o Brasil em novembro de 2021 — sobre a qual eu escrevi em Inglês — e, desde então, minha vontade de mudar pra cá só cresceu.
E aí? Por que eu não voltei para os Estados Unidos — meu país de nascimento, onde fui criado e fiz a educação básica até 17 anos.
Muitos pensam nos Estados Unidos como a “terra de oportunidades” ou, às vezes, “onde todo mundo pode comprar uma Hilux!”. E, infelizmente, essas são hipérboles que talvez só representam 1 em cada 30 brasileiros que tentam imigrar para os EUA e ganhar uma grana. Como eu sei? Eu morei 18 anos em Boston e presenciei muitos brasileiros trabalhando duro, pagando as contas, vivendo seus novos sonhos americanos. Engenheiros se tornando encanadores, advogados e gerentes se tornando faxineiros, futuras médicas se tornando babás… e uma delas cuidou de mim durante minha infância. Será que essas pessoas não seriam bem-sucedidas no Brasil se gostassem de morar aqui? Olha só:
O censo 2000 dos Estados Unidos mostrou que 34,5% dos brasileiros tinham completado quatro ou mais anos de faculdade, [12] enquanto o número correspondente para a população norte-americana em geral é de apenas 24,4%. [14] No entanto, embora efetivamente muitos imigrantes brasileiros nos Estados Unidos tenham formação universitária, a maioria desses imigrantes não conseguem obter empregos bem qualificados e têm de conseguir empregos de menor status porque os Estados Unidos não reconhece as suas qualificações e também porque a maioria deles não falam inglês. [11] — Wikipédia
Mesmo assim, os “States” não são ruins por causa das dificuldades que os imigrantes enfrentam para construir uma vida melhor do que deixaram. Eu até acho injusto atacar um país que muitas pessoas adoram e outras ainda não tiveram a oportunidade de conhecer, mas estou comprometido com a minha verdade sobre onde nasci. Felizmente, conheço a maioria dos estados e das áreas metropolitanas, para que eu possa apresentar uma imagem abrangente para vocês leitores.
Em primeiro plano, os EUA é o segundo maior território e o país mais rico, populoso (embora sendo moderadamente povoado com 34,5 hab/km² ) e poderoso nas Américas. Não obstante, o país ainda luta com a insegurança alimentar de 10% da população abrigada, mais de meio milhão em situação de rua, injustiça racial visto em pobreza, bem-estar e convicções, e — o que me faz sentir decepcionado com minha pátria amada— irresponsabilidade ambiental numa escala absurda. Só dá um clique nos links acima para ver.
Em segundo lugar, sobre o meio ambiente, os EUA possui menos cobertura de floresta que o Canadá e o Brasil (3,09 milhões de km² // 32% do território) —números que se reduzem milhares de vezes considerando mata nativa.
O desmatamento atingiu seu pico recentemente, após 400 anos de colonização e mais de 99% das florestas primárias derrubadas que reflete a mesma proporção de território de onde os povos indígenas foram removidos. Mas essa é apenas mais uma área de estudo, das várias, que revela como os “States” se desenvolveram de forma diferente do Brasil.
Voltando ao ponto focal, os Estados Unidos maltrata a atmosfera da mesma forma vergonhosa que trata sua vegetação. As emissões de gases de efeito estufa já atingiram o pico nos Estados Unidos, mas a revolução consumista desencadeada ao longo do século XX levou a impactos de longo alcance sentidos em todas as principais economias mundiais. Nos anos 70, juntos com o Canadá (obs.: os dois países compartilham o nível de emissões por pessoa mais alto do mundo — dobro qualquer outro país, tirando OPEP), o País utilizou um método que pode ser chamado “globalização neoliberal” para importar os bens que desejam por meio de cadeias de suprimentos globais, sem necessidade de produzir nada no país. Como consequência, os níveis de emissões por pessoa começou a reduzir (o auge das emissões dos EUA aconteceu em 2006) porque o país se livrou gradualmente das emissões baseadas na produção dos próprios bens, exportando esse problema aos outros países, majoritariamente no Sul Global.
Como visto nos gráficos, os Estados Unidos consomem sem pensar que 15% das emissões mundiais são ligadas ao seu consumo, enquanto o país abriga só 4% da população mundial. Entretanto, vários líderes brasileiros ainda elogiam o país. Será que o Brasil deve se inspirar nos Estados Unidos? Lógico que os dois países têm tendências semelhantes no consumo e extrativismo, mas é inegável que os “States” operam em uma escala exponencialmente maior e se preocupam menos com seus próprios problemas ambientais.
Para finalizar, os Estados Unidos é cheio de problemas domésticos: pessoas solitárias, sobrecarregadas, endividadas por causa de contas médicas exorbitantes e diplomas universitários inúteis; aprofundamento da desigualdade; ineficiências absurdas como: mais de 1 carro por pessoa, até 2 horas de deslocamento com trânsito em rodovias gigantescas, municípios excessivamente iluminados à noite, impostos que variam muito entre estados e munícipios, mais casas que famílias e ainda meio milhão em situação de rua, 10 milhões de empregos sem candidatos qualificados e 8 milhões de cidadãos desempregados em idade ativa; vários movimentos radicais se tornando políticos; taxas crescentes de criminalidade, dependência química e trabalho infantil em quase todos os estados… e o asfalto que nunca acaba.
Agora, olha só, o Brasil!
O país com o terceiro maior território e economia, a segunda maior população e a maior cobertura florestal (4,97 milhões de km² // 58%) nas Américas. No mundo inteiro, só Rússia, surpreendentemente, possui mais cobertura de floresta que o Brasil, mas a nossa é tropical e megabiodiversa, né? Também, o território brasileiro contém a maior disponibilidade de água doce renovável do mundo, o dobro da Rússia — em segundo lugar. Além disso, o Brasil tem uma taxa de povoamento sustentável (24,5 hab/km²), é o maior produtor mundial de café, açúcar, laranjas e soja e está atualmente ultrapassando os EUA como o maior produtor de carne bovina. Ademais, o País oferece o maior sistema público de saúde do mundo, foi o único país das Américas colonizado pelos portugueses (evitando, em grande parte, a separação de seus estados) e mantém a maior população católica no mundo.
Obviamente o Brasil não é um país magnífico em todos os aspectos, longe disso! O povo brasileiro luta todo dia para pagar um custo de vida que só aumenta com salários insuficientes e, majoritariamente, fixos. Isso pode ser visto explicitamente no índice de Gini que reflete a concentração de renda e a desigualdade socioeconômica (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade na distribuição de renda entre a população). Para referência, o país com maior desigualdade de renda é a África do Sul, com índice de 0,630; enquanto a Eslováquia possui o maior igualdade de renda, com 0,232. O Brasil está mais próximo da África do Sul nesse sentido.
Somada à desigualdade, a carga tributária no Brasil é semelhante à do Canadá e dos EUA, mas a renda per capita é entre seis e nove vezes menor. Esses impostos financiam mais programas sociais do que nos EUA, mas também sustentam enormes forças policiais (municipais, civis, militares, federais, penais e do exército) e um governo federal famoso por desvios por motivos corruptos. Acaba que o brasileiro aprende mesmo a ser autossuficiente em todos os sentidos da palavra, tendo que economizar de toda maneira possível, inclusive fazendo uso de gambiarras e outros jeitinhos.
Mas… por que mudar para cá? Pois é, estava chegando aí, mas ainda há muito pra compartilhar…
Tive a sorte de viajar por vários estados como um nômade digital: alguns através de vôos baratos que descobri no Skiplagged.com, mas a maioria de ônibus e carro. Pra quem quer conhecer mais do país, posso recomendar muitos hostels e locais imperdíveis para visitar em todas as capitais abaixo:
No entanto, como eu viajava com muita frequência, senti a dificuldade em fazer conexões verdadeiras com as pessoas que conheci. Foi em junho de 2022 — quando estava hospedado algumas semanas em Belo Horizonte — que essa dificuldade foi vencida. O povo de Beagá me acolheu melhor que eu poderia imaginar, e foi aqui que eu aprendi o significado de rolê. Aconteceu que eu quebrei minha clavícula numa acidente de skate no centro da cidade, dois dias antes de partir para uma viagem pelo litoral brasileiro — com a intenção de surfar e explorar até o final do prazo do meu visto. Mas eu não poderia mais ir com minha clavícula partida em 3 pedaços… e a necessidade de uma cirurgia de última hora.
Apesar disso, através dessa imersão nos ambientes dos hospitais locais, onde várias pessoas me ajudaram, fiquei admirado pelo trabalho dos profissionais de saúde belorizontinos. Durante o período de recuperação, cheguei à conclusão que viveria o resto da minha vida nesse País. Meu sonho ainda está se revelando passo a passo, mas para um aficionado em surf, estou feliz demais da conta na capital de Minas Gerais. Aqui é possível degustar comidas deliciosas, conhecer pessoas maravilhosas, embarcar em aventuras simplesmente pegando um ônibus, assistir aos melhores jogos de futebol com as torcidas mais loucas, presenciar a criação de novas artes e músicas, aprender novas gírias e mergulhar na cultura mais incrível do planeta, diariamente.
Se o Brasil já me agradou muito, Minas Gerais aumentou esse nível descontroladamente. E, por causa disso, eu digo que aqui é bão demais uai!
Acima são alguns lugares que eu visitei desde minha chegada ao Brasil. Escolhi essas fotos em particular porque são verdadeiramente únicas — as paisagens, a natureza e os espaços urbanos. Só tá faltando os vira latas, bailes e botecos. Mas tudo combina em uma mistura que me vicia — o suquinho, ou little brazil juice, que faz os gringos nunca mais quererem ir embora.
Obrigado por ler até o final! ~ Stuart
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Fontes adicionais: florestas + wikimedia.org, cidadãos em situação de rua — EUA, Canadá, Brasil, renda por capita, outras estatísticas demográficas